sexta-feira, 10 de maio de 2013

Se tiveres oportunidade de fazer uma boa acção, não a percas

Passei o dia em Lisboa, numa formação que terminei hoje. Saí por volta das 5 da tarde e apanhei um autocarro da Carris (coisa que devo ter feito meia dúzia de vezes na vida, andava quase sempre só de metro). Quase no final da minha paragem entra uma senhora de cadeira de rodas ajudada por umas pessoas que a meteram no autocarro. Escusado será dizer que ainda há autocarros sem rampas nem mecanismos para colocar lá dentro as pessoas de cadeiras de rodas.
A senhora parou quase ao nosso lado, meu e de mais duas colegas que iam comigo. Apercebi-me que a senhora ia sozinha para algum lado porque as pessoas que a ajudaram ficaram fora do autocarro. Fiquei a olhar para ela e perguntei como ela ia sair dali.
- Alguém me há-de ajudar (espero eu), diz-me ela.
Pergunto eu: mas a senhora vai para onde?
- Para a Loja do Cidadão, tenho que lá ir pedir uma declaração.
Conversa puxa conversa acabou por contar que caíra do 5º andar enquanto limpava as janelas da casa da mãe dela. Não se lembra de nada, mas sabe que esteve em coma durante muitos dias, ligada à máquina.
- É uma benção é estar viva. Isso é que é uma benção.
- Deve ter-lhe custado muito - digo eu.
- Custou muito, ainda para mais eu tenho filhos e foi complicado. Mas eles não se importam. Eu às vezes pergunto ao meu filho mais novo se ele se importa que eu ande de cadeira de rodas. Ele diz que não, que eu sou linda à mesma.
- ... (sorria, só conseguia sorrir para ela porque em momento algum eu vi amargura ou tristeza nesta mulher)
- Amanhã vou para um Centro de reabilitação para ver se consigo ficar mais independente, tomar banho sozinha, vestir-me, essas coisas.
- Há alguma possibilidade de voltar a andar?
- Os médicos dizem que não, mas não sei o que deus quer. Sabe que ele lá sabe o que é impossível e para ele nada é impossível. Eu só quero mesmo é conseguir fazer as coisas sozinha.

Chegámos ao Restauradores. Pedi ao motorista que desse a volta e estacionasse mesmo em frente à Loja do Cidadão, já que estávamos na última paragem. Ajudamo-la a sair. Ela desfazia-se em agradecimentos.
- Às vezes não aparecem pessoas assim, ás vezes não aparecem...

Levámo-la lá dentro e perguntei-lhe que senha queria. Para a Segurança Social, disse ela.
As senhas dos prioritários e todas as outras estavam esgotadas há horas. Bom, tentemos falar com alguém da SS. Afinal aquela mulher tinha chegado ali sozinha, vinda sabe-se lá de onde para pedir uma declaração.

Vamos ao balcão da SS. A senhora à qual nos dirigimos demorou a responder-nos. Fingia que não nos ouvia. É sexta-feira, eu entendo  fartinha de ver gente. Lá nos ouviu, em cinco minutos resolver o problema da Deolinda. Chamava-se assim, Deolinda.

Deolinda agradeceu muito, imenso, demais. Deixamo-la na paragem para voltar a casa, rezando para que neste regresso alguém se dignasse a olhar para ela e a 'perder' tempo para a ajudar.

Perdêssemos todos nós um pouco do nosso tempo para os outros e seria tudo infinitamente mais fácil. Tão mais fácil...

Ainda não consegui deixar de pensar na Deolinda, no seu regresso a casa, no seu regresso à vida...


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